domingo, 5 de abril de 2009

Esta velha angústia...

Esta velha angústia.
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.


Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.


Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...


Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu tecto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.


Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer —
Júpiter, Jeová, a Humanidade —
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?


Estala, coração de vidro pintado!

Álvaro de Campos

3 comentários:

Biblioteca - Esdica disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Biblioteca - Esdica disse...

Oh!
Não estejas tão melancólica!
Pensa nos alunos que te adoram. Pensa em como és importante para mim.
Pensa nos desempregados, nas crianças com fome, nos que não têm um ombro amigo, nos que nunca saberão ler um poema, pensa no que de bom te rodeia e ...sorri.
"Tá"?
A belabiblioteca gosta muito, muito de ti.

Graça Andrino disse...

Convenceste-me! Vou pensar nas leituras, nos alunos, na carinho que a belabiblioteca me dá,nos desempregados, nas crianças..... e vou deixar de ser egoísta....

Obrigada, belabiblioteca!
:)