segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O Prazer de Ler

- Pára de ler, vais estragar os olhos!

- Vai lá para fora brincar, está um dia lindo.

- Apaga a luz! Já é tarde!

Nesse tempo, os dias estavam sempre demasiadamente bonitos para os desperdiçar com leituras, e as noites eram demasiadamente escuras.

Note-se que, quer se lesse quer não se lesse, o verbo já era conjugado no imperativo. Mesmo no passado, já era assim. De certo modo, ler era um acto subversivo. À descoberta do romance acrescia a excitação da desobediência à família. Era um duplo esplendor! Ah, a magnífica recordação de horas de leitura às escondidas, debaixo dos lençóis, à luz da lanterna. Como galopava a Anna Karenina ao encontro do seu Vronski, àquelas horas da noite! Amavam-se um ao outro, o que já era magnífico, mas amavam-se enfrentando a proibição de ler, o que era ainda melhor! Amavam-se contra a vontade do pai e da mãe, contra o trabalho de matemática por acabar, contra a redacção, contra o quarto por arrumar, amavam-se em vez de irem para a mesa, amavam-se antes da sobremesa, preferiam estar um com o outro a irem ao futebol ou a apanharem cogumelos... tinham-se escolhido um ao outro, nada mais queriam do que estar um com o outro... meu Deus, como o amor é belo!

E como se lê o romance num instante!

Daniel Pennac, Como um romance, Ed. Asa



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